sábado, 20 de marzo de 2010

NÃO É NADA DEMAIS/ NO TIENE NADA DE ESPECIAL, inédito de RAFAEL ROCHA DAUD

NÃO É NADA DEMAIS


As pessoas só estão assustadas

não houve tempo e você sabe

as cenas se desenrolam sem um ensaio

sem sequer um roteiro

as pessoas pegam o que têm à mão

se você olha de longe pode perceber o medo

e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas



Dirceu Villa – As pessoas só estão assustadas







Não é nada demais

nóssó estamos assustados

hoje

se fizer frio e se chover ao mesmo tempo e por causa disso

só por causa disso não pudermos sair de casa

nós só estamos assustados

quando chegamos tarde da noite cansados e acendemos

todas as luzes da casa só estamos assustados

ao pedir para o garçom que nos troque de mesa ou os talheres

por algo mais confortável nós só estamos assustados

com os olhos pregados na embalagem de um alimento matinal

que vem pronto nós olhamos assustados para os gatos à noite

nós havíamos imitado os gatos à noite à noite

quando olhamos bem assustados para os olhos de alguém

e repetimos aquelas frases que escolhemos para declarar

nosso amor que pode bem ser amor verdadeiro como os tais girassóis de Van Gogh

para os quais nós também nós já olhamos assustados


nós só estamos assustados e falamos o tempo todo

de jogos de gato e rato e

esperamos o tempo

de olharmos em volta como o gato, nós somos os ratos nós

só estamos assustados como quando começa o carnaval

e sabemos que se chove ou não

sempre sobra alguma coisa para nós porque

todas as ruas são becos e

todos os becos são avenidas intermináveis


nós só estamos assustados quando você volta atrás e decide

que agora sim vai me seguir embora não esteja clara a diferença

entre amor e adoração para que eu também te siga

e também assustado lhe digo que procuro

a um bairro industrial antigo quando passo pela praça

em frente de onde você morava e

penso que se me visse agora

ou não me reconhecia ou ficava muito assustada

nós só estamos assustados lado a lado pensando tratar de outro

assunto nós estamos ficando assustados porque digo a você

quero vê-la mesmo assim nós só estamos

assustados querida nós dormimos assustados nos braços

um do outro e acordamos ainda assustados

nos braços um do outro quando é tarde da noite e

passamos o dia todo em claro estamos muito assustados mesmo

assustados quando olhamos para o calendário e nos parece ver

ali outro futuro que não este a que estamos condenados

ficamos mais assustados nosso futuro ainda

não estava no calendário quer dizer que ainda

não estamos com os dias contados nós só estamos vivendo

num período em que chamam luz à escuridão

e embora minha língua esteja morta

suas formas me alucinam nós estamos vivendo

num período cujo nome não sabemos e

embora seja o medo que me move meu

coração está parando nós só estamos assustados

quando vendemos nosso carro muito barato quando compramos

outro carro mais caro nós só estamos assustados

quando vendemos nosso carro por uma bicicleta porque nossos filhos terão de esperar tempos melhores para nascer

nós só estamos assustados querida mas não chegue não chegue

perto talvez já não mais seja o tempo em que se possa dizer que nós só estamos assustados.





RAFAEL ROCHA DAUD










NO TIENE NADA DE ESPECIAL



As pessoas só estão assustadas

não houve tempo e você sabe

as cenas se desenrolam sem um ensaio

sem sequer um roteiro

as pessoas pegam o que têm à mão

se você olha de longe pode perceber o medo

e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas


Dirceu Villa – As pessoas só estão assustadas






No tiene nada de especial
sólo estamos asustados
hoy
si hiciera frío y si lloviese al mismo tiempo y por culpa de eso
sólo por culpa de eso no pudiéramos salir de casa
es que estamos asustados
cuando llegamos tarde por la noche cansados y encendemos
todas las luces de la casa sólo estamos asustados
al pedirle al mesero que nos cambie de mesa o los cubiertos
por una cosa más cómoda nosotros sólo estamos asustados
con los ojos clavados al empaque de algún alimento matinal
que ya viene listo para comer nosotros miramos asustados a los gatos de la noche
nosotros habíamos imitado los gatos de la noche de la noche
cuando miramos muy asustados a los ojos de alguien
y repetimos aquellas frases que escogimos para declarar
nuestro amor que bien puede ser amor verdadero como los dichosos girasoles de Van Gogh
que también estamos ya mirándolos asustados

sólo estamos asustados y hablamos todo el tiempo
de juegos de gato y de ratón y esperamos la hora
de mirarnos dando un vueltegato, somos los ratones nosotros
sólo estamos asustados como cuando comienza el carnaval
y sabemos que llueva o no llueva
siempre sobrará alguna cosa para nosotros porque
todas las calles son encerronas
y todos los callejones sin salida son avenidas interminables




nosotros sólo estamos asustados cuando tú regresas y decides

que ahora si vas a seguirme aunque no esté muy clara la diferencia
entre amor y adoración para que yo también te siga
y también asustado te diga que estoy buscando
un antiguo barrio industrial cuando paso por la plaza
enfrente de donde tú vivías y
pienso que si me vieses ahora
no me reconocerías o te quedarías muy asustada
sólo estamos asustados hombro con hombro pensando en hablar de otro
asunto estamos poniéndonos asustados porque te digo
quiero verte e incluso así nosotros sólo estamos
asustados querida dormimos asustados en los brazos
del uno y del otro cuando ya es tarde por la noche y
pasamos el día totalmente en vela estamos muy asustados, sí,
asustados cuando miramos el calendario y nos parece ver
ahí otro futuro que no es éste al que estamos condenados
nos ponemos más asustados nuestro futuro todavía
no estaba en el calendario quiere decir que todavía
no estamos con los días contados nosotros sólo estamos viviendo
en un período que llaman luz de la oscuridad y
aunque mi lengua esté muerta
sus formas me alucinan sólo estamos viviendo
en un período cuyo nombre no sabemos y
aunque sea el miedo lo que mueve mi
corazón está parando nosotros sólo estamos asustados
cuando vendemos nuestro carro muy barato cuando compramos
otro carro más caro sólo estamos asustados
cuando vendemos nuestro carro por una bicicleta porque nuestros hijos tendrán que esperar tiempos mejores para nacer
sólo estamos asustados querida pero no llegues no llegues
tan cerca talvez todavía no todavía no sea el tiempo en que se pueda decir que nosotros sólo estamos asustados





Traductor: ALAN MILLS





Rafael Rocha Daud nació en 1979. Trabaja como poeta y psicoanalista, no siempre en ese mismo orden. Empezó a publicar poemas en 1999 pero todavía no publicó los Poemas para o Século XX, su primer libro, por pura pereza, ni Dêixis, su primera novela, porque no está terminada. Está ligado en la organización de la FLAP, uno de los más importantes festivales de poesía en San Pablo, desde 2008. Su blog llamase O que eu vou comer amanhã, donde hace el test-drive de su producción actual.